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O ressentimento, o ódio ao outro, a idéia de que o outro é a causa do mal que nos acontece, é um veneno que nos intoxica, nos rebaixa e nos paralisa. Vivemos em uma sociedade ressentida, mas isso não quer dizer que não possamos dizer um não potente para o ressentimento em nós, e assim vivermos uma vida mais livre, ativa e potente.
Nesse texto, exploro o trabalho que fiz com um analisando (João) na semana passada. Ele tem 40 anos, é solteiro e está tendo um relacionamento amoroso com uma mulher casada mais ou menos da mesma idade (Fernanda). Fernanda contou para seu marido sobre o relacionamento com João e o marido, após o primeiro choque se mostrou aliviado e disse: "Que bom, agora eu não me sinto tão mal de te contar que também tive um caso no ano passado. Agora estamos quites." Segundo Fernanda, o marido realmente estava de boa, e ela, surpreendentemente também ficou bem com a informação.
Fernanda contou para João (seu amante) sobre sua conversa com o marido e então João escreveu pra mim:
"Quando a Fernanda me contou sobre a conversa com o marido e sobre como eles estavam até mais felizes um com o outro, eu senti raiva. Me senti um pivô, uma ponte para ajudar a melhorar o relacionamento deles. Eu sei que estou na imaginação, como você fala que o Spinoza diria, mas mesmo assim é o que estou sentindo!"
Inspirado pela situação e pela mensagem de João, escrevi o texto-resposta abaixo. Pode ser que sua situação não se pareça com a de João e Fernanda, porém a idéia serve para qualquer tipo de ressentimento. Vamos lá!
Isso que João sentiu ou está sentindo é completamente normal. Se algo de bom acontece para uma pessoa que disputa a coisa amada comigo, vou me sentir mal. Perceba como as paixões vão guiando nossa vida. Tudo o que vou escrever agora, é do ponto de vista da imaginação. Não quer dizer que é errado. Pelo contrário, é da natureza humana viver assim. Natureza humana não quer dizer que somos forçados a viver assim, mas que essa maneira de viver é consequência de como funciona nossas percepções, nossas sensações, emoções e ideias. Mas essa maneira pode ser transmutada.
Além do desejo, os 2 afetos de base para Spinoza são: alegria e tristeza.
Alegria é o aumento da potência e tristeza a diminuição da potência. Ambos são passagens e não estados. Não é o estado de estar alegre. É simplesmente a passagem de um estado de menor capacidade de sentir, pensar, agir e desejar, para um estado de maior capacidade. Isso parece muito teórico, mas não é. Isso acontece conosco o tempo inteiro. Estamos quase sempre em variação, especialmente se somos passivos e deixamos o acaso dominar nossa vida.
O afeto do amor, ainda para Spinoza, é a alegria associada a algo ou alguém que eu acredito ser o causador desse afeto. O afeto do ódio é a tristeza associada a algo ou alguém que eu acredito ser o causador deste afeto. Sempre que eu falar sobre amor e ódio neste texto, estou me referindo a estas definições de Spinoza e não à maneira como entendemos essas palavras no dia a dia. Especialmente o ódio, aqui, não significa aquela raiva intensa que costumamos associar a essa palavra.
Lembrando que isso é pura imaginação, pois ninguém tem o poder de causar isso em mim. A causa da alegria é sempre a composição entre corpos durante um acontecimento. O outro pode até estar implicado no aumento da minha potência, mas não é causa. Quando acreditamos que o outro gera alegria, estamos na paixão, na passividade. Quando sentimos que nós estamos implicados no aumento da nossa potência, estamos na Ação e a ação é sempre alegre. Não existe ação triste, mesmo em situações difíceis e incômodas.
Quando estamos longe do objeto amado, sentimos saudades, que também é uma paixão triste, pois ela é a vontade de repetir o que nos "causou" alegria com aquela mesma pessoa, da mesma maneira. É da nossa natureza querer nos alegrar, mesmo na paixão. Isso leva inevitavelmente para uma tristeza, pois nunca um encontro se repetirá. João não é mais o mesmo, Fernanda não é mais a mesma e o contexto não é mais o mesmo. Pode ser que, por sorte, por acaso, tenham vários encontros diferentes e bons, mas invariavelmente terão maus encontros e aí sentirão tristeza. Se essa tristeza for associada ao outro como causador, virá o ressentimento. Se essa tristeza for associada a si, virá a culpa, a má consciência.
Nesse momento, pode aparecer uma ansiedade, ou seja uma incerteza se o próximo encontro será alegre ou triste. Isso os põe num estado de variação constante e desperdiça muita energia. Será que vai ser bom? Será que vai ser ruim? Será que vai ser bom e ruim ao mesmo tempo? A transa pode ser boa, mas a conversa depois pode ser ruim. E aí passamos a amar e odiar a pessoa ao mesmo tempo pois, na nossa imaginação, ela tem a capacidade de nos alegrar e entristecer simultaneamente.
Voltando para nossa história. Do ponto de vista de João, o marido de Fernanda é uma figura que impede que ele passe mais tempo com ela. Ou seja, o marido impede que a causa imaginária da alegria de João (Fernanda) esteja por perto e aí é natural João odia-lo, ou seja, associar o seu entristecimento a ele. E aí, quando Fernanda, conta para João que o marido se alegrou por causa do caso deles, o que acontece? João se entristece com a alegria, ou seja quando a potência de alguém que odiamos aumenta, a nossa potência diminui.
É óbvio, é natural. Se eu odeio algo e essa coisa está se alegrando, se potencializando eu vou, na imaginação, me sentir perdendo. Pois o aumento de potência (alegria) daquela pessoa deixará ela mais atrativa para o objeto que eu amo e portanto pode afasta-lo ainda mais de mim. Ou seja, se o marido se alegra, ele fica mais atraente para Fernanda. João, imaginando isso, se entristece.
E, para concluir, como a alegria do marido, dependeu de uma coisa que João e Fernanda fizeram, João vai começar a sentir ódio dele próprio, de Fernanda e do encontro que teve com ela. E aí, um encontro que foi potente passa a ser avaliado como ruim, ou como misto e fica tudo confuso.
Como João, começa a se considerar causador de algo bom (o marido conseguir sentir o equilibrar da relação) para uma pessoa que o entristece pois impede seu contato com o objeto que ama, João passa a se avaliar como ruim e passa a se odiar e isso é a culpa ou má-consciência. E João pode sentir a mesma coisas sobre Fernanda: Fernanda, o objeto que João ama, foi causa (imaginária) da alegria de alguém (do marido) que João odeia, portanto João vai odiar Fernanda e isso é o ressentimento. É uma confusão, mas é assim que somos dominados pelos nossos afetos.
A esmagadora maioria do mundo vive assim o tempo todo. E ainda por cima achando que são livres e que estão pensando e agindo adequadamente. E isso vem ocorrendo há milênios. É assustador perceber isso. Mas ao mesmo tempo é libertador. Eu sinto uma alegria ao criar esse texto. Pois eu consigo, ativamente, perceber minhas composição, imaginações, ressentimentos e culpas. Eu também sinto isso! Eu também vivo assim em parte do tempo. Mas eu já experimentei e experimento uma nova maneira de viver e isso é muito potente.
Eu faço isso via filosofia, esquizoanálise, poesia, dança, sexualidade. Sinto que é isso que estou experimentando na minha vida. Você pode descobrir a sua maneira de viver sem ressentimento ou culpa, ou pelo menos percebendo e abrindo mão, toda vez que começar a ressentir e culpar.
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